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Por Gabriel Ferrão

 

Na entrevista pingue-pongue a seguir, a jornalista Luiza Villaméa dá sua opinião sobre as grandes reportagens, comenta a respeito de suas preferências quando se encarrega de apurar uma nova reportagem especial e compartilha, com os leitores, suas inspirações na área jornalística.

Nem sempre um jornalista escreve sobre assuntos que o agradam 100%. Mas se há a opção de escolher, quais temas você prefere abordar em suas matérias?

Luiza Villaméa – Eu gosto de gente, então eu gosto de falar e contar a história das pessoas. Por exemplo, temas relacionados à saúde não são o meu forte. Eu gosto muito se falar e escrever sobre política. Não de política partidária, necessariamente. E eu gosto muito de história, contanto que fiz um mestrado em história, na USP, como se fosse uma grande reportagem. Não queria ficar falando de semiótica ou estudando teoria da comunicação. Nenhuma crítica a quem goste, mas eu prefiro contar histórias. Eu gosto muito de ler também. Aliás, eu preciso reler várias coisas, porque a gente aqui no Brasil tem grandes reportagens que, inclusive, não são divulgadas. Toda hora todo mundo fala no new journalism, Truman Capote, Gay Talese. Claro, o trabalho deles é fabuloso, mas tem coisas anteriores fabulosas também.

Você pode dar como exemplo alguma grande reportagem que tenha te marcado?

Luiza Villaméa – Há uma que eu gosto muito, que é a de um antigo marinheiro que vira um grande escritor: Jack London. Ele mora a 60 km de São Francisco, mas, por acaso, ele está lá quando há aquele grande terremoto de 1906, que destrói a cidade. E o problema maior foram os incêndios que ocorreram depois. Destrói tudo. Ele não sofreu diretamente com o terremoto, nem com o incêndio. Não se machucou. E ele volta para casa e fala para a mulher que ele estava tão abalado que quer apagar aquilo que viu, mas ele recebe um telegrama de um jornal oferecendo uma quantia absurda para escrever um texto de 2500 palavras e ele faz um texto brilhante, cujo título é “São Francisco não existe mais”. E aí, nesse texto, ele inverte toda essa “história” de fazer pesquisa, porque ele vai descrevendo o que viu. Mas, muitas vezes, o repórter nem precisa mesmo fazer a pesquisa, porque ela não é só o que o repórter vai procurar sobre aquele assunto num determinado livro, num determinado arquivo. A pesquisa é o que você conhece, é o que você tem na sua memória, são as informações que você tem sobre um determinado assunto e, naquele episódio específico, Jack London conhecia São Francisco como ninguém. Então, quando ele descreve, por exemplo, a Market Street sendo desmoronada, as paredes de fogo, ele sabe direitinho quais são os casarões que estão ali e sabe direitinho o bairro em que moram os negros, o bairro em que moram os chineses, os japoneses. Ele conhecia os grandes centros culturais e, quando descreve tudo aquilo, ele não fez pesquisa, porque já a possuía dentro dele, ele já tinha a informação. Nunca tinha pensado nisso, mas, talvez, ter a informação te torne mais sensível para a notícia, porque um edifício não é apenas um prédio que está pegando fogo e desmoronando; é muito mais que isso. Então tudo tem história. É sempre uma história atrás de outra. 



Existe algum jornalista em quem, na hora de escrever, você se inspira?

Luiza Villaméa – Tem muita gente. Seria até injustiça falar de um só, mas Joel Silveira eu acho que é uma referência para qualquer repórter hoje no Brasil. É anterior ao new journalism e Assis Chateaubriand colocou o apelido nele de “Víbora”. Ele era terrível e fez uma reportagem que é um clássico: “A milésima segunda noite da Avenida Paulista”, sobre o casamento da filha do conde Francisco Matarazzo. Foram, na verdade, dias e dias de festa e ele vem para São Paulo para fazer essa matéria. Ele tenta conseguir um convite, porque são 800 convidados, mas ele não consegue. É preciso lembrar que aquela época era o auge da industrialização e esse pessoal era “tri-rico”, como dizem os gaúchos. Nesse casamento, as lembrancinhas da cerimônia principal eram, para os homens, canetas de ouro, e, para as mulheres, broches de brilhante. E o casamento foi naquele casarão que foi destruído na Avenida Paulista. Eu estudei do lado, na Cásper Líbero, e ele ainda existia e já estava naquela fase em que deixavam as janelas abertas para deteriorar, porque o governo Luiza Erundina estava tentando desapropriá-lo para fazer o Museu do Trabalhador.

Você se inspira em alguém com quem você tenha trabalhado ou com quem teve contato pessoalmente em alguma oportunidade?

Luiza Villaméa – Tem um cara que eu gosto muito e que me ajudou muito. Ele vai falar que nunca fez grandes reportagens, mas fez. É o Fausto Macedo, do Estadão, um cara que faz muito a área de denúncia. Mas o Fausto é muito cuidadoso, muito corajoso e muito trabalhador. Quando eu comecei, eu liguei para ele e a gente se encontrou para almoçar em algum lugar no centro. Foi justo quando eu fui para O Globo, porque eu sabia que eu ia pegar mais hard news mesmo. Eu fui conversar com ele e ele me deu um panorama de como funcionava a justiça no Brasil e, nessa época, a gente conviveu muito na rua, em matéria, e o que me impressiona muito nele, que é referência para mim, é essa coisa de trabalhar muito, ir atrás de todo mundo, a pessoa querendo ou não falar com você, porque nessas matérias investigativas isto acontece: as pessoas vão bater a porta na sua cara, mas você tem de ir lá e tem de tocar a campainha. Você pode até tentar falar por telefone ou mandar e-mail, mas tem de ir também onde a pessoa está. E ele continua na ativa. O Fausto tem muita garra, é impressionante. Ele conhece o mundo e os caras o respeitam também.

Clique aqui e conheça mais sobre o processo de criação da pauta jornalística segundo Luiza Villaméa. 

Clique aqui para conferir o processo de apuração de uma grande reportagem segundo Luiza Villaméa.

Ponto de vista

Luiza Villaméa dá sua opinião e conversa sobre grandes reportagens que marcaram o jornalismo brasileiro.

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